A goiabeira
- Luciano Lopes
- 28 de jan. de 2020
- 3 min de leitura

Saiu carregando os dois baldes de água, um em cada mão, enquanto o pai dizia para a mulher que o filho estava “ficando doido”. O jovem sempre fora devoto de Nossa Senhora e queria, a todo custo, que Ela aparecesse para ele. Passou pela porteira do sítio, rumou para o lado da cerca e partiu, com o pedregulho do caminho sovando os pés e a fé, inabalável, reluzindo no coração e na mente.
Viu em um filme na TV que a Virgem Maria havia aparecido em Portugal para três pastorinhos em cima de um arbusto, revelando segredos e convidando-os para rezarem o rosário. Ficara impressionado. E o jovem passou a acreditar que a Mãe de Jesus se revelaria na goiabeira que fora poupada do corte no meio do arado.
Os dois baldes de água reclamavam peso. Os dedos do moço já estavam marcados e vermelhos, mas ele dizia para si que a dor era um sacrifício para ver Nossa Senhora. Deu mais alguns passos e parou. Colocou os baldes na terra arada e, sem pensar, ajoelhou-se. A mata ao redor do arado assistia silenciosa. O jovem olhou para a goiabeira e a sua copa estava sem folhas; apenas duas ou três verdes ainda resistiam. Debulhou orações e pegou novamente os baldes.
Derramou a água devagarinho na terra, fazendo um círculo ao redor da goiabeira, como se quisesse criar uma auréola no chão. Enquanto olhava para o topo da árvore e contemplava seus galhos secos, sentiu uma breve angústia. Colocou as mãos no peito, rezou mais uma vez. Na inocência daquele jovem, queria tornar a árvore sagrada para receber Nossa Senhora.
Pediu bênçãos aos céus, agarrou os dois baldes e pegou o caminho de volta. Ao chegar na casa, o pai novamente profetizou: “Aquela árvore não tem mais jeito, meu filho. Não adianta levar água para lá.” O jovem não conseguiu responder. Tampouco concordava. Acreditou em silêncio na fé da sua esperança. “Quero ver a Virgem sobre a copa frondosa daquela goiabeira”, pensou.
Acabadas as férias no sítio, o moço teve de voltar para a sua rotina na cidade grande. Nunca mais esqueceu a goiabeira. Voltou em outras oportunidades, repetiu o rito, mas a cada retorno a árvore secava mais, até que morreu. Na última vez, olhou para os galhos secos e, com lágrimas escorrendo pelo rosto, sentou aos pés da goiabeira. Pediu perdão a Nossa Senhora. Como seria agora? Se não tinha fé para salvar uma árvore e vê-la florescer novamente, como poderia ser privilegiado com uma visita da Mãe do Cristo?
Foi então que o moço entendeu tudo.
A goiabeira seca é como oração sem fé. Se não for cuidada, regada todos os dias, ela perde as folhas, a beleza dos frutos, a força da raiz, o equilíbrio. Com a gente, acontece o mesmo. O caminho, esse sim, é sempre longo e cheio de pedras que nos dão disciplina para o andar correto de nossas escolhas. E quanto aos baldes, eles nem sempre estarão cheios de água. Carregaremos muitos durante a vida, transbordando tristezas e alegrias, porque eles também são lições.
Assim o moço ficou: na ingenuidade em entender o que é mistério, seu coração se aquietou. Entendeu que Nossa Senhora já estava ali, não precisava se materializar para que ele se sentisse especial (isso seria, no mínimo, ser egoísta demais). Mas há um propósito em tudo e aquela goiabeira sem vida, para ele, era frondosa aos olhos de Maria.
Ao molhar a terra sulcada e seca ao redor da goiabeira, o jovem na verdade regava a aridez de seu interior, que buscava preenchimento com o que é divino: ele queria era paz. Porque no fim das contas, esse é o sagrado que procuramos.
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