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Carta para uma amiga que ganhou um anjo

Atualizado: 23 de out. de 2019



Mesmo que eu tente, não há como calcular a dor que você vem sentindo nos últimos dias. Queria poder tê-la abraçado, rezado contigo, seu esposo e toda a sua família, e ter aparado as incontáveis lágrimas que saíram de seus olhos para regar a ausência que hoje se faz presente. Estou à distância, mas o pensamento reza e avista você.


Há dores que vêm para nos trazer cura. Mas há outras que, mesmo que as escondamos embaixo do tapete da alma, se instalam pela eternidade. Com as poucas palavras afetuosas que me vêm agora no coração, queria oferecê-las como conforto para minimizar esse vazio que preenche seu peito.


Acredito que a maternidade é uma benção que vale a pena ser vivida. Assim como a paternidade. Ter filho é uma aventura – nos faz experimentar os sentimentos, principalmente o amor, em um nível sem proporções. Ter um filho é Deus nos fazendo tirar os olhos de nós mesmos para oferecê-los ao próximo. Ter um filho é sorrir sem hora, ajudar em todos os momentos, agradecer por cada instante junto quando ele crescer e sair para buscar seu lugar ao mundo. Ter um filho é chorar até o estoque de lágrimas pedir arrego.


Ter um filho é semear um jardim que floresce, faça chuva ou sol. A gente prepara o terreno, aduba a terra, rega com a quantidade necessária de água e alimento, apara as folhas para que a flor seja bem vista, coloca lasquinhas de madeira para protegê-la dos predadores. Mas a flor cresce para cima, para onde a luz está, porque a missão dela é alcançar o coração de Deus. E esse caminho não podemos impedi-la de seguir. Resta-nos contemplar seu desabrochar, a beleza de suas cores, na multiplicação de suas maravilhas biológicas, para deixá-la renascer em um jardim que um dia estará à nossa espera.


Quando um filho morre, a dor não é pessoal, mas de todas as mães. O grito é de todas as mães. As lágrimas são de todas as mães. Na natureza, dizia o cientista francês Antoine-Laurent Lavoisier, nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. Com a natureza humana é um pouco diferente: o que se perde, tudo transforma. E é isso que acontecerá com você agora.


Você é uma pessoa de bem, distribui afetos sem migalhas. Serve porções cheias de abraços, ensina pela leveza, pela alegria de estar perto. E quem é assim, tudo transforma. Transforma a tristeza em um sorriso gostoso, transforma as dificuldades em oportunidades, transforma o ruído em silêncios acolhedores. Transforma árvores secas em florestas com dimensões a se perderem de vista apenas com sua presença. Transforma tempestades interiores em céus ensolarados. Transforma a dor em evolução.

Dor.

Essa palavra pequena que tem a força de um terremoto e que, quem diria, você conseguirá transformar em outra com o mesmo poder: paz.


Fique em paz. Nesse pouco tempo em que esteve contigo, seu filho teve uma mãe para se orgulhar. Siga o caminho marcado com os carinhos que você fez na barriga e ele retribuiu com uma mexidinha. Siga a alegria das fotos que você fez segurando o sapatinho de crochê, embalando o sonho em suas mãos. Siga seu filho, rumo ao infinito das possibilidades que as orações lhe oferecem, para abraçá-lo e fazer um afago na barriga universal que é o amor de Deus.


Você não perdeu seu filho, minha querida. Você ganhou um anjo.

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