Essa tal felicidade
- Luciano Lopes
- 23 de jul. de 2019
- 3 min de leitura
Atualizado: 25 de out. de 2019

Lá vai o garoto de oito anos, curioso desde sempre, correndo atrás da tal felicidade. Procurou dentro de casa, andou por todos os cômodos, mas só encontrou amor e companheirismo. Achou que a danada estava lá fora. Abriu a porta da cozinha e, sem perder tempo, rumou para o quintal que rodeava a residência. Sentiu o cheiro das rosas que a mãe havia plantado um ano antes, abriu os braços para deixar o sol da manhã esquentar seu corpo franzino e moreno.
O cachorro, seu companheiro matreiro, resolveu ir junto. Correram como se não houvesse amanhã. Um subiu no pé de manga, escalou galhos cantando, comeu frutas, enquanto o outro ficou no chão, farejando alguma pista da tal felicidade. Não acharam nada. O garoto desceu da árvore e, fazendo um carinho no cão amigo, combinou de continuar a busca em outro momento. Precisava tomar banho, jantar e dormir. Amanhã tinha escola.
Sol a pino, café reforçado e o pensamento na tal felicidade. Onde ela estaria? Talvez na escola, pensou. E lá foi ele. No recreio, saiu à procura. Ela não estava no pátio. Ela não estava no jardim. Ela não estava na lanchonete e tampouco na biblioteca ou na diretoria. Será que essa tal felicidade existe mesmo?
Passaram-se oito anos de busca.
O cachorro, seu companheiro detetive da infância, já havia partido dessa para melhor. O garoto era agora um adolescente. Certo dia, enquanto estava reunido com os amigos em casa, perguntou a eles se já tinham encontrado a felicidade. Nenhum deles tinha a resposta, mas foram unânimes em admitir que a nova colega de sala, a "morena gata", era o mais próximo do que eles podiam definir como a tal felicidade.
Passaram-se oito anos de busca.
O jovem, agora adulto e formado, logo encontrou um emprego bom depois que concluiu a faculdade. A "morena gata" era a sua namorada. Nos fins de semana, faziam caminhadas por parques, nadavam em rios límpidos, saíam para dançar, ir ao cinema, namorar no portão de casa. Depois de beijos aos quilos, o jovem ia dormir. Sozinho no quarto, abria os olhos, fitando as telhas de terracota, e perguntava a si mesmo onde estava a tal felicidade.
Passaram-se mais oito anos de busca.
Os dois filhos brincavam pela casa naquele sábado. O adulto tomava uma taça de vinho com a esposa, enquanto preparavam uma lasanha quatro queijos. Que vida perfeita, falaria um de seus amigos adolescentes. Bom pai, bom emprego, boa família. Mas, ainda assim, queria entender o que era essa tal felicidade.
Passaram-se outros oito anos de busca.
Sentado na areia daquela praia, olhava o horizonte do mar. Os últimos oito anos foram difíceis. Agora, aos 40, estava sozinho: a mãe mudou de cidade, a esposa e "morena gata" havia pedido o divórcio. Levou junto os dois filhos. A crise econômica custou seu bom emprego. Os amigos, aqueles da juventude, desapareceram. Uma lágrima descia de seu rosto enquanto fechava os olhos com a cabeça inclinada para trás. Gritou. Pela primeira vez, sentiu desespero, dor, solidão. O sol queimava sua pele, enquanto a angústia fazia arder seu peito.
Virou-se para o céu, sem se importar com quem estivesse perto, e esbravejou:
- Deus, onde está essa tal felicidade?
Ao que Deus respondeu:
- No cheiro das rosas que a sua mãe plantou no quintal. No sol da manhã que esquentou seu corpo. No seu cachorro, que lhe fez companhia. Nos amigos que tornaram sua vida mais divertida na adolescência e que hoje lutam para sustentar a família. Nas caminhadas nos parques, na beleza dos rios límpidos, no namoro no portão de casa. Na "morena gata", que lhe deu amor enquanto ela sentia que ele era verdadeiro. Nos filhos que brincavam pela casa. No trabalho. A felicidade, filho, é tudo o que você lembra com afeto quando a dor vendar os seus olhos.
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