Memórias de minhas fotos nada tristes
- Luciano Lopes
- 3 de mai. de 2020
- 3 min de leitura

Abri a gaveta e as fotos estavam arrumadas em um canto, guardando os sentimentos gravados no instante do clique. Voltei no tempo. Domingo de manhã e eu querendo revisitar as alegrias. Que culpa tenho se a nostalgia é meu melhor atrevimento?
Uma, duas, três imagens. Ah, o mar! Olivença, Bahia, Praia dos Milionários. Julho de 1992. Eu e meus irmãos, dia ensolarado, almoço com peixe frito, arroz com couve e batatinha frita. Sorvete de sobremesa naquela casquinha crocante e cobertura de chocolate. A mãe passando protetor solar nos nossos rostos, o pai dizendo para não ir muito longe no mar porque "as ondas ficam fortes e a correnteza pode arrastar". Castelos de areia. Areia na sunga. Sorriso no rosto e eu cheio de gratidão.
Outubro de 1996. O cenário muda: sítio. Todos juntos na cozinha, na companhia dos tios, primos e agregados, comendo frango caipira com abóbora, mandioca frita, arroz e feijão preparados no fogão a lenha. Salada com alface e tomate colhidos na horta. As tias ajudando a mãe a lavar a louça depois, rindo sem parar dos casos de antigamente, enquanto a gente ficava ao redor, animados com a cena toda, comendo pedaços de rapadura com queijo.
Abril de 1998. Sítio de novo. O causo dos marimbondos. A caixa d'água ficava em um lugar alto, no fundo da casa de 5 quartos e dois banheiros. Os tios se juntaram para tirar o enorme "ninho" desses insetos que se formou ao lado da caixa. Um dos parentes, improvisando, vestiu calça e uma camisa de manga comprida para se proteger. Boné e, para "blindar" o rosto de possíveis picadas, pegou um saco plástico grande e transparente e fez dois furos pequenos.
Escada já posicionada, ele começou o processo de retirada. "Primeiro tem de espantar os bichos com fumaça", dizia meu pai no pé da escada, enquanto a segurava junto com outro parente. Ao redor, eu, os primos e as tias com os olhos grudados no corajoso que comemorava a debandada dos marimbondos, agitados por conta da fumaça que saía do enrolado de panos que queimava na ponta de um bambu.
Com uma tacada, meu tio derrubou parte da casa dos marimbas. A outra parte, inventou de tirar com as mãos. Senhor. Quando arrancou o bendito lar dos bichinhos, um marimbondo entrou em um dos furos do plástico que estava protegendo o rosto. Desesperado para se desvencilhar do bichinho, que já tinha ferroado uma de suas orelhas, o tio jogou a outra parte da casa lá embaixo, onde estavam todos que assistiam a cena. Saldo: gritaria, correria geral, gente quebrando mato para abanar as orelhas. Fora a risada geral que se seguiu, a verdade é que quase entramos para o Guinness Book das roças: recorde de pessoas de uma mesma família com maior número de ferroadas.
Abril de 2004. A foto com os amigos do grupo de jovens. Encontros aos sábados, domingos, com música e orações. As missas. Os abraços. Não os encontro pessoalmente há mais de 15 anos. Alguns já se casaram, têm filhos e outros mudaram de cidade. "Todos os dias é um vai-e-vem / a vida se repete na estação / tem gente que chega pra ficar / tem gente que vai pra nunca mais / tem gente que vem e quer voltar / tem gente que vai e quer ficar / tem gente que veio só olhar / tem gente a sorrir e a chorar / e assim, chegar e partir", diz a letra da canção "Encontros e Despedidas", de Milton Nascimento e Fernando Brant. Cantarolando o trecho, penso agora nessa gente que passa por nossas vidas e coloca um tijolo de bondade na construção infindável que é a nossa evolução.
Que bom que as fotos existem para despertar nossas lembranças... O passado molda a gente e resgatar as emoções que vivemos sempre é combustível para seguirmos com a certeza de que, sim, viver, amar e rir valem a pena!
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