O menino e a Cruz
- Luciano Lopes
- 28 de mar. de 2020
- 2 min de leitura
Atualizado: 30 de jan. de 2022

Lá estava o garoto ao lado de seus colegas, parado na frente daquela cruz gigante. Era mês de agosto, tempo de penitência. Não chovia há semanas. Nessa época, as professoras colocavam os alunos em fila no pátio e de lá saíam todos rumo à cruz, que ficava no meio do jardim, lado direito da entrada principal.
Os passos ritmados se uniam às orações e à música que todos repetiam juntos, clamando a Deus chuva para aquela terra. Andavam com ramos de flores nas mãos, para reforçar o pedido. No meio do caminho, o garoto confessou a um colega que amava o rito. Deixava a religiosidade lhe envolver - era uma espécie de completude.
Ao chegarem na frente da cruz, com seus cinco metros de altura e madeira escurecida, os alunos alinhavam-se ao redor. Com os ramos apontados para a estrutura, faziam as últimas preces. Em seguida, ficavam em silêncio, talvez à espera de um milagre instantâneo para aquela terra castigada pelo calor. O ritual era uma tradição na escola.
Às vezes, no recreio, o garoto sempre dava um jeito de pular o pequeno portão trancado que dava acesso ao jardim, para ficar sozinho frente à cruz. Pedia. Rogava pela chuva. E nada.
Em seu último ano naquela escola - no seguinte, passaria a estudar em um colégio particular - participou mais uma vez da penitência. Dessa vez, choveu. Todos gritavam de alegria, alunos e professores, com os ramos levantados para o céu, enquanto os pingos de chuva graçavam a pele e a roupa da turma. O garoto se convenceu de que o resultado da penitência poderia até demorar, mas chegava.
No derradeiro dia de aula, saiu no meio dos estudos e disse à professora que iria ao banheiro. Mas ele correu pelo pátio, desceu as escadas e rumou para o jardim. Pulou pela última vez o portão de acesso e parou em frente à cruz gigante. Queria agradecer a Deus sozinho. Agora, não pelo milagre ou pela companhia dos colegas ou professores. Mas pela completude.
A zeladora da escola, vendo o garoto no jardim, chamou sua atenção por estar fora da sala em horário de aula. E o menino, sorrindo, veio correndo até ela e se despediu com um abraço. Chovia. Nos pingos que molhavam a pele e a roupa do garoto, Deus mostrava a delicadeza de sua gratidão.
Comments