O valor de ser lembrança
- Luciano Lopes
- 17 de out. de 2019
- 2 min de leitura
Atualizado: 25 de out. de 2019

Estou sentado na minha mesa de trabalho em silêncio. É hora do intervalo. Observo o teclado em cima da mesa, os post-its caçando preenchimento e as canetas caladas no porta-lápis de couro. O tercinho de pedras brancas sobre o computador foi presente da amiga, que pediu proteção divina para minha nova caminhada. De repente, uma colega aparece para contar uma novidade, mas eu escuto sem estar presente. O pensamento está voando, longe, nas pessoas que passam por nossa vida e somem.
Começo pelo colega de escola, da 5ª série, que era companheiro de estudo e futebol: por onde anda? Lembro dos trabalhos de geografia que nossa turma ia fazer na casa dele. Lembro da gentileza de sua mãe, com seu cabelo ondulado marrom. Do cheiro de suco Tang de laranja e do bolo de cenoura que ela nos servia. Lembro de, certo dia, ele me contar que mudaria com a família para outra cidade. Findou-se o ano letivo e aquele amigo gente boa sumiu.
Tem aquela conhecida do grupo de jovens da igreja que, assim que nos falamos, a amizade brotou feito grama. Nunca mais a vi. Tem o primo engraçado, companheiro de todas as aventuras da juventude, que foi morar longe e só responde as mensagens de vez em quando. O moço que vendia doces na porta do colégio e sempre tratou os alunos como filhos. Conhecia cada um deles, chamava-os pelo nome. Lembro da atendente da cantina, que distribuía sorrisos como quem salva almas da tristeza.
O professor de português preferido, a professora bem humorada de biologia. O vendedor da loja que conseguiu um desconto bacana naquele tênis que eu queria. A médica que me atendeu bem depois de um dia inteiro no pronto socorro do hospital. A senhora do ônibus que contou sua vida, mostrou fotos da família e chorou de saudade dos filhos. O diretor que deixou a empresa e era um exemplo de liderança para mim. E também lembro, saudoso, dos afetos que nem podem mais dar a graça de sua presença física nesse mundo.
O pensamento volta para a mesa de trabalho e vejo que o computador entrou em stand by. Mexo o mouse e, finalmente, a minha atenção se fixou na colega de trabalho que continuava a conversa. A novidade é que ela está se desligando da empresa. E eu sinto um aperto no peito. Meu coração sussurra: "Ela vai sumir". Na hora, não penso duas vezes. Abro um sorriso, dou um abraço e digo que é uma pena, pois ela fez um belíssimo trabalho. Mas que entendo perfeitamente as buscas e as mudanças que cada um procura para sua vida.
Temos uma responsabilidade com quem passa por nosso caminho. O que uma pessoa viver com você, as impressões que tiver, tudo isso ficará marcado na memória dela e será levado para a vida toda. Não há nada mais poderoso e encantador do que ser uma boa lembrança para alguém.
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