Petálas de novembro
- Luciano Lopes
- 15 de nov. de 2020
- 3 min de leitura

Eles andaram devagar, mas também tiveram pressa. E levaram um sorriso no rosto porque, em algum momento da vida, choraram demais. Foram muitos para poucos e, por isso, marcantes.
A primeira a partir foi a tia querida. Daquelas pessoas de pegar os sobrinhos em casa para levar ao cinema, para o sítio do avô e fazer os melhores aniversários para a filha. Fazia concurso de lambada nas festinhas, com as mesas repletas de brigadeiros e docinhos de leite ninho (com cravo em cima), pastéis fritos na hora e risoles de milho que pareciam integrantes de um coral, um ao lado do outro, arrumadinhos, esperando a primeira mordida e a frase incólume da tia: "Não é uma delícia? Pega mais um!".
Ah, minha querida, e a sua motinha vermelha com a seta caída? E o seu Chevette? E a fita cassette que colocava no carro antes de sairmos para o destino das chegadas e partidas? Essas memórias jamais se perderão (eu prometo): foram congeladas no tempo para que a sua presença fosse marcada - e sempre lembrada. Mesmo no calor da sua ausência.
A segunda foi a amiga jornalista. Que saudade de você, mulher e mãe sem pontos nem travessões, com suas quatro décadas de dedicação ao jornalismo, de suas crônicas perfeitas. Desse estilo de texto que começava com a mesma palavra, mas que sempre terminava com um novo mundo de reflexões. Que saudade deste texto em que a gente se deixava levar pelas emoções. Que saudade de sua risada, de nós indo tomar um café e mordiscar uma prosa. Dos momentos em que você tentava me mostrar que havia sentimento no que eu escrevia, mesmo sem eu saber onde encontrá-lo.
Ah, minha amiga querida, você me ligou naquela tarde e eu não atendi. Mandei uma mensagem carinhosa dizendo que retornaria, mas não o fiz. Você se foi e, agora que quero ligar de volta, só há o silêncio da caixa postal da eternidade. E resolvo não deixar uma mensagem gravada com a esperança de que você a escute no meu pensamento, onde estiver.
O terceiro a partir foi o pai dos três amigos. Sempre calado, mas intenso. Tinha seu jeito de conduzir a vida. Parecia jamais se deixar influenciar - a não ser pelo que acreditava. Expressava seu amor em silêncio, mas sua generosidade sempre foi estridente. Foram 15 anos de convivência, meu caro, e o que você deixou aqui na Terra é de um valor incalculável: três almas do bem. Amor, amor e amor.
Ah, o pai, o último alicerce, o amigo gentil. Jamais iria pensar que, cinco dias antes, nos encontramos e nos despedimos com o "toque do cotovelo", o novo normal dos cumprimentos em tempo de pandemia. "Até mais", foi o que ele me disse, e o que gravei no coração.
A tia, a amiga e o pai, no novembro mais doído.
Espero a música "Tocando em Frente", de Renato Teixeira e Almir Sater, chegar ao fim no meu fone de ouvido. Enquanto a lágrima escorre pelo rosto, penso que vocês três tocaram os dias por essa longa estrada que é a vida, conheceram as manhas e as manhãs, provaram o sabor das massas e das maçãs. O que fica de vocês em nós agora é que é preciso amor para poder pulsar, para continuar andando e vencendo, até o dia que a gente for embora também.
Obrigado pela gentileza de me deixar partilhar essa caminhada juntos. Valeu cada passo.
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