Que sejam vivas todas as lembranças
- Luciano Lopes
- 3 de out. de 2019
- 2 min de leitura
Atualizado: 16 de abr. de 2021

Queria que as lembranças de minha vida fossem também lembranças do mundo. Queria sentir de novo o gosto da comida feita no fogão a lenha que minha avó materna fazia. Queria sentir o aroma do café que ela preparava e servia com bolachas. Queria viajar de ônibus com minha madrinha e parar naquela cidade pequena para ela me comprar o doce colorido que eu gostava. Queria voltar no tempo e brincar na areia amarela, que repousava na beira do rio ainda caudaloso, para montar um castelo em que todo mundo é rei.
Queria lembrar de novo do cheiro que saía das merendeiras, na hora do recreio da escola. Queria abraçar aquela professora que tinha o sorriso mais bonito. Queria plantar de novo aquela muda de árvore no jardim do colégio com meus colegas de classe. Queria poder jogar videogame e fazer trilha de bicicleta novamente com o amigo que morreu em um acidente de carro há mais de 20 anos e tinha uma alegria de viver contagiante.
Queria me reunir com a galera do grupo de jovens da igreja para cantar acompanhando o som do violão. Queria voltar naquela praia bonita que fui uma vez na infância e caminhar na orla às 7h da manhã. Queria sentar na areia e, sozinho, ver as ondas quebrarem e a água tocar os meus pés. Queria voltar no tempo e ter coragem no momento em que senti medo. Queria voltar no tempo e tampar com felicidade os buracos que a angústia cavou na minha alma. Queria voltar no tempo e chorar de alegria quando peguei minha sobrinha nos braços pela primeira vez.
Queria reunir novamente todos os cachorros que já tive para corrermos nos gramados que esverdeiam minhas lembranças. Queria sair para dançar com os amigos naquela boate que hoje virou restaurante self-service. Queria ter na poupança todo o dinheiro que gastei jogando na megasena. Queria reviver as cenas engraçadas que passei em família e rir sem parar, até doer a barriga, até cansar.
Quando eu ficar bem velhinho, a única coisa que peço a Deus é que não me deixe esquecer de nada. Não leve minhas memórias. Não apague minhas lembranças. Ninguém consegue viver sem o que viveu, porque o passado também é mestre da lição e do afeto.
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